segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Cata-vento



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(Foto google)

Hoje viemos encontrar o avô às voltas com um pedaço de chapa de zinco. Pensámos que queria arrumá-lo, mas não. Ele tinha outros pensamentos. Daquele pedaço de zinco haveria de nascer uma coisa diferente. Um cata-vento.
Havia entre as suas ferramentas toscas um eixo da nora do poço que agora lhe servia de bigorna.
Quando veio a luz eléctrica, 1955, o avô vendeu uma pipa de vinho mais alguns pinheiros velhos e comprou um motor eléctrico para o poço tendo nesta data desmantelado a nora.

Com um martelo foi batendo aquela chapa para a alisar. Os olhos dos garotos abriam-se ainda mais pois não sabiam os pensamentos do avô.
Depois, cheios de curiosidade, perguntaram: 
- Avô, que estás a fazer?
- Com este pedaço de chapa quero fazer um cata-vento, mas é melhor irem brincar lá para fora. Isto ainda vai levar muito tempo. 
Já o construí dentro da minha cabeça, mas não sei explicar de modo que vocês percebam. Depois vocês vão ver! Disse-lhes com muita calma e doçura no olhar.

Desta vez os miúdos não regatearam as palavras e, num ápice, desandaram para o lado da eira. Os gritos de alegria animaram todo aquele canto do avô. Agora ele sentia-se num mundo mais jovem. Uma vida diferente povoava-lhe aquele vazio dos dias silenciosos
Quando voltaram para dentro, já o avô tinha desenhado as suas ideias. Com um lápis riscou num cartão um cavaleiro montado num burro. Não era assim muito, muito parecido, mas depois de nos dizer o que era, ficámos a ver um burro e a metade superior de um corpo de homem. 

- Agora vem o mais difícil, continuou o avô. É fazer tudo isto naquela chapa de zinco. Vamos a ver se eu consigo "dar conta do recado".
Entretanto chegou a hora  do almoço. 
- Vão lá para dentro. Vão lavar as mãos e preparem-se para comerem tudo sem aborrecer a mamã. 
Encantado com os netos ficou a vê-los entrar em casa.

Nos dias seguintes os miúdos foram para a escola mas o avô não desistiu do seu sonho.
Com uma tesoura de podar, já velha, foi recortando a chapa.
O burro ficou quase perfeito. 
As patas e as orelhas identificavam-no.
O cavaleiro tinha as mãos espalmadas, segurando as rédeas da besta. Na cabeça tinha um chapéu que lhe escondia os restantes pormenores.

De um  lado deixou duas pontas salientes, uma em cima e outra em baixo onde prendeu um tubo de plástico. Dentro deste tubo entrava uma ponta de uma verga de ferro que o avô fixou na parede. Assim o cata-vento podia rodar mantendo-se sempre na posição vertical.

No sábado não havia escola. O avô sentou-se no seu canto. Estava à nossa espera. Ao lado tinha o cata-vento. 
Assim que nos viu chamou:
- Venham cá, venham todos!
Hoje vamos colocar o burrinho e o cavaleiro a trabalhar. Querem ver? 
Então foi buscar uma escada de madeira, que ele também tinha feito. Encostou-a à parede da casa da eira e subiu segurando numa das mãos o seu trabalho.
Os netos estavam admirados com a sua paciência e determinação. Subiu os degraus todos e colocou o cata-vento no lugar.  
- Já está! - Disse vitorioso.
Com a mão que estava livre ajeitou o boné na cabeça e esperou algum tempo no cimo da escada  para ver se estava tudo certo.

Depois começou a descer. Agora parecia que estava com mais dificuldade. Os nossos olhos fixaram-se mais no avô que descia com muito cuidado. 
- Trinta mil cautelas!... disse-nos mais tarde. 
E foi descendo lentamente de degrau em degrau e mudando os pés e as mãos alternadamente.
Quando chegou ao fundo começámos a bater palmas para festejar e para lhe agradecer. 
Havia um brilho especial naquele olhar. Uma vitória. Estava tudo a funcionar como tinha sonhado.

Finalmente foi sentar-se na pedra grande encostado à parede da casa  de onde podia ver o cata-vento a rodar. Nós sentámo-nos ali à volta seguindo o seu olhar e as voltas que o burrinho ia dando lá em cima.
Mais tarde irá arrumar a escada, não vá algum do meninos querer subir por ali acima... 

luíscoelho
Setembro/2015 

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